quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Expectativas


Expectativas

Programada por Hollywood e pelos sonhos de nossos pais, nossa visão de casamento só nos leva até o altar. A própria cerimônia – hoje mais um show do que uma cerimônia – dificulta ainda mais a separação entre o cinema e a vida real. Por isso, muita gente se atira de olhos fechados na aventura de se casar. "Eu te amo" é o mantra antes do casamento. Com o decorrer do tempo, descobrimos que só o amor não basta. No início, imaginamos o casamento como uma situação de trocas, partilha, intimidade e crescimento. Um estado de segurança e satisfação mútua.

De fato, muita gente acredita que casamento é remédio para tudo. Visto desse prisma, ele nos salva de nós mesmos, nos define, nos dá uma razão para viver, não nos deixa cair em tentação, morrer de fome ou padecer de solidão mortífera. E, se a relação não nos der tudo isso, sempre podemos nos separar.

O modelo de casamento tradicional era idealizado, simplista e isento de conflitos. No cinema, o amor nunca esmaecia, as revistas ofereciam táticas para obter do outro a gratificação total. Mas isso gerou níveis epidêmicos de desilusão. Aí as pessoas começaram a dizer: "desencantou" – ou seja, as desilusões e as mágoas iam se acumulando como uma garrafa sendo enchida a conta-gotas. Um dia acabava transbordando.

Por que tantas expectativas não realizadas, tantas esperanças frustradas, tantos sofrimentos, tantas ingratidões? Em busca de respostas, as pessoas mudam o comportamento e costumam se defender com distância, esquecimento, distração, traição.

Na época da revolução sexual, o casamento tradicional caiu em desgraça porque impedia, ou cerceava, o crescimento pessoal. A pergunta era "o que estou levando do meu casamento" em vez de "o que eu trago para o casamento?". A noção de "para o melhor e para o pior" ou "até que a morte nos separe", deu lugar a um pensamento utilitarista: "até que você não corresponda mais às minhas necessidades".

Assim começou o casamento em que cada parceiro via o outro como responsável por sua felicidade e realização pessoal. Uma relação baseada mais no exigir do que no dar. Ironicamente, porém, esse tipo de casamento não conseguiu proporcionar as muitas recompensas que parecia prometer.

Aos poucos foi sendo recolocada a perspectiva de que o casamento não é uma aquisição, mas sim um processo, uma escola em que você confronta seus medos, seus egoísmos, suas limitações.

A verdade é que todos nós precisamos de um porto seguro na vida e à procura dele empregamos o melhor de nossas esperanças e energias. O casamento pode representar esse porto seguro. Por isso, não é possível considerá-lo uma simples aquisição, mas sim uma proposta de vida cujos termos vamos formulando ao longo do tempo. E não é uma "proposta indecente" porque cada um entra, em primeiro lugar, com aquilo que é e, depois, com o que tem.

Amar e ser amado é uma das experiências mais nutridoras da vida. A fome de amor íntimo não deve ser considerada um sonho da adolescência. É adulta, real e necessária. No entanto, não se pode fabricar intimidade. Ela deve surgir espontaneamente, não por fingimento ou encenação. Intimidade exige tempo tempo de respirar, tempo de sentir, tempo de fluir. Você não precisa fazer força simplesmente deixe acontecer. São os movimentos e os gestos espontâneos, involuntários, que constituem a verdadeira intimidade. Portanto, precisamos ficar ligados em nossos sentimentos para não acabar sufocando, amassando as emoções.

Estamos sempre a espera de que essas emoções se manifestem emoções que podem levar o outro a se abrir, a se revelar. São olhares, sorrisos, toques que falam mais do que palavras. Estamos sempre buscando os gestos que exprimam o que sentimos para reencontrar no cotidiano o gosto do amor.

Mas quem ama se compromete. E comprometer-se quer dizer ficar junto na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na época das vacas gordas e na das vacas magras. E não é só. Compromisso significa investir na relação para ela dar certo. É ação. Se aparece uma pedra no caminho, construímos um túnel ou um desvio. Às vezes, passado algum tempo, resolvemos empurrar a pedra e descobrimos que é oca, bem mais leve do que imagináramos.

Compromisso é uma promessa – feita a você mesmo e ao outro – de aguentar firme, tocar o barco nos momentos difíceis, ficar lado a lado para o que der e vier. Mais do que em qualquer outra parceria, o casamento nos dá a oportunidade de lutar juntos.

Maria Helena Matarazzo é Psicóloga e Sexóloga

Um comentário:

  1. Muito construtivo.
    Estou passando por um difícil período de escolha e transição, no qual me sinto dividido entre minha ex-esposa e minha atual namorada.
    Sem dúvida este texto me ajuda muito a lidar com a situação.

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