terça-feira, 11 de agosto de 2009

Nem Tudo É Amor


Nem Tudo É Amor

Muitas coisas se fazem em nome do amor. Sofremos, consolamos, poupamos o outro, fazemos suas escolhas. Mas devemos estar sempre em contato com nossos sentimentos e motivações mais verdadeiros, para não "batizar" de amor sentimentos tão díspares quanto dependência, intolerância e até mesmo o medo de amar.

O amor que tanto inspira os poetas, que tantas definições em verso e prosa já recebeu, que arranca tantos suspiros daqueles que sentem sua presença, também aparece, equivocadamente usado em lugares que nem sempre lhe cabem. Sofrer em nome do amor, protege demasiadamente, abdicar de desejos, submeter-se exclusivamente aos desejos do outro, ou ainda, exercer imposições em nome do amor, podem ser alguns dos exemplos do uso indevido do sentimento de amor.

Vamos considerar mais atentamente os exemplos citados nas linhas anteriores. É inegável que, quando presenciamos a doença de um ente querido, ou quando um evento indesejável ocorre com pessoas que nos são caras, podemos nos abalar, sofrendo a dor que tais acontecimentos despertam. Mas, isso não significa que estejamos condenados a sofrer porque amamos. Sofremos quando não nos encontramos aparelhados para lidar com as contingências que a vida nos impõe. Porém, superar um episódio temporário difícil, ou adaptar-se à novos arranjos para conviver com aquilo que era imprevisível não são sinônimos de eternizar o sofrimento.

Proteger demasiadamente como forma de demonstração de amor pode evidenciar, por exemplo, falta de confiança nos recursos de que dispõe a pessoa que é alvo dessa proteção. Guardadas as proporções das circunstâncias que nos inspiram a delinear cuidados especiais para com aqueles que amamos, modular a dedicação e manter proteção num nível que represente a manuntenção de um relacionamento saudável, é imprescindível para o crescimento de todos os envolvidos.

Abdicar de desejos pessoais para provar o amor que sente, pode, entre outros, representar um meio potencial para se obter o status quo de vítima numa relação. Sem contar que também pode servir para conferir um "direito" a acusações futuras sobre a falta de reconhecimento por tudo que se deixou de fazer por causa do bem estar do outro. É necessário considerar que ao nos relacionarmos, independentemente do grau de compromisso que estabelecemos, não podemos manter todas as prioridades num mesmo plano. Caso contrário, seria um tanto quanto difícil de "dar conta" dessa árdua tarefa!

Como comtemporizar desejos e possibilidades, principalmente quando nos referimos a uma parceria amorosa? Neste aspecto, as concessões individuais apontam para um meio apaziguador para tal questão. Os acordos que se estabelecem numa relação e a disponibilidade em revisar tais acordos sempre que necessário, proporcionam uma relação simétrica, permitindo que a individualidade e a intimidade se combinem e se expressem sem dramaticidade.

Submeter-se exclusivamente aos desejos do outro pode evidenciar precária autonomia, advinda de fatores tais como: insegurança, medo da rejeição, sentimento de menos valia, entre outros. Sob esse perfil, a dependência emocional torna-se a grande responsável pela ligação que se estabelece no casal.

A razão pela qual a pessoa que se submete reiteradamente às vontades do outro sente grande dificuldade em conceber seus próprios desejos e em buscar meios para alcançá-la na vida prática, pode residir nos mais variados fatores.

A falta de oportunidade de se lançar em novas experiências geralmente é sentida por pessoas que sempre contaram com figuras parentais que se anteciparam em atender as suas necessidades, podando-lhes as tentativas de iniciativa própria e tal histórico pode figurar como um desses fatores.

A menos que aspirações a desafios ou de crescimento pessoal gerem transformações nesse arranjo que se estabeleceu, todos se acomodam em suas funções, mantendo o equilíbrio possível para a convivência. A busca de preservação desta dinâmica, que requer a perpetuação desse modus vivendi, passa a se refletir em todas as outras futuras relações, inclusive, obviamente, a relação amorosa. A satisfação, neste caso, pode decorrer dos ganhos secundários experimentados (não correr riscos, não se expor, não errar, entre outros) por contar com alguém "supostamente" mais forte e capaz de o proteger.

Por outro lado, exercer imposições sobre aquele de quem se admite gostar pode revelar ausência de sensibilidade para perceber o outro na relação. Pode representar um par potencialmente complementar àquele que necessita de alguém "supostamente" mais forte para não sucumbir, e por isso aceita, incondicionalmente o que lhe é imposto, como o demonstrado no exemplo anterior. Cabe observar que, no caso de imposições irrefutáveis, o caminho que se apresenta é de mão única. Sob este prisma, torna-se uma missão quase que impossível delinear saídas mais criativas para o relacionamento a dois.

A menos que o "impositor" apresente uma dose de flexibilidade suficiente para rever a sua conduta e se disponha a se colocar no lugar da outra pessoa a fim de atingirem um consenso na relação, o que se constata é o exercício ininterrupto do slogan "ame-me ou deixe-me".

Traçadas as considerações sobre algumas formas que são utilizadas para demonstrar ou justificar o amor, cabe dizer que esses são apenas alguns exemplos, e que, muitas vezes, encontramos as combinações de alguns deles (ou ainda de outros que aqui não foram citados) numa mesma pessoa.

Também podemos encontrar a alternância que consagra ora um, ora outro, combinando os papéis de bonzinho e de vítima, e mantendo um ritmo que faz com que o casal dance sempre a mesma melodia.

Outro aspecto relevante a ser considerado é que todo relacionamento envolve duas pessoas e que responsabilizar apenas uma delas pelo emprego indevido do sentimento de amor é uma posição muito cômoda.

É importante frisar: a configuração do relacionamento que estabelece na parceria é mantida por duas pessoas. O motivo pelo qual a relação se mantem reside em questões emocionais individuais, que se encontram ligadas num mesmo interruptor. Ou seja, uma vez acionado o interruptor, cada um apresenta a característa que potencializa a reação emocional específica do outro.

A menos que outras alternativas de demonstração de sentimento sejam adotadas e, consequentemente, aprovadas em razão das reações que ambos puderem experimentar, a relação tende a seguir numa empobrecedora previsibilidade sobre as manifestações pseudoamorosas de cada um.

Não obstante as expressões de afeto passem pelas mais variadas combinações e graus de manifestações, é a forma única e intensa de uma modalidade escolhida na relação que torna a necessidade de reformulação imprescindível. O sacrifício não pode ser justificado pelo sentimento do amor. O que se atinge com esse tipo de esforço é a condição de compreensão mútua ou de uma relação amistosa. Daí à expressão de amor, concorda com Lázarus quando diz que "o amor surge a partir do descobrimento de qualidades dignas de serem amadas e de uma harmonia compartilhada que dá satisfação e proporciona o mútuo enriquecimento".


Sob este ângulo, o respeito, o cuidado necessário, as concessões que escolhem fazer, as cobranças que aparam as arestas e os gestos que mantêm as qualidades que um aprecia no outro compõm a tônica de um relacionamento, de fato e de direito, amoroso.

Margareth de Mello F. dos Reis - Psicóloga Clínica e Terapeuta


Um comentário: